Carta de São Paulo: Declaração de apoio ao acesso aberto à literatura científica – 2005
Nós, professores, pesquisadores, bibliotecários, alunos, cidadãos e representantes de organizações da sociedade civil, vimos através desse documento manifestar nosso apoio ao acesso aberto à literatura científica.
Os indivíduos e organizações que firmam esse documento reconhecem os importantes papéis desempenhados por autores, editores, publishers, bibliotecas e instituições no registro e na disseminação da pesquisa. Reconhecem particularmente a defesa dos direitos autorais de atribuição e integridade da obra.
Por acesso aberto, entendemos a disposição livre, gratuita e sem barreiras ou restrições financeiras e técnicas, de literatura científica através da Internet ou na forma impressa, permitindo que a mesma possa ser lida, impressa, copiada e distribuída sem fins comerciais. Entendemos que o único limite para a reprodução e distribuição deve ser o direito do autor sobre a integridade e crédito de sua obra, assim como a citação adequada.
Por literatura de acesso aberto, entendemos artigos e ensaios publicados em revistas, livros e manuscritos inéditos que possam legalmente ser difundidos na rede ou na forma impressa que os autores desejem disponibilizar em busca de comentários ou para chamar a atenção de resultados obtidos em sua pesquisa.
Considerando que os acadêmicos costumam publicar seus trabalhos em livros e revistas científicas sem fins lucrativos e motivados pela difusão do conhecimento ou para o fomento do debate e da crítica; que os meios eletrônicos possibilitam uma ampla e livre difusão da literatura acadêmica; que o papel de mediação das editoras na comunidade científica assume um novo caráter com a disseminação do uso da Internet; e que o acesso a textos científicos é fundamental para a boa qualidade da pesquisa e do processo de produção do conhecimento, reconhecemos que:
i) O amplo acesso a uma vasta e variada literatura gerada pela pesquisa científica é essencial para a compreensão do mundo, para a preservação do ambiente natural que sustenta nossa vida e para o avanço cultural e científico da sociedade;
ii) em uma era em que a disseminação global dos resultados publicados de pesquisas científicas é realizada cada vez mais por meios eletrônicos, é inaceitável que existam barreiras comerciais para a difusão de obras, em especial aquelas produzidas com financiamento público;
iii) o compartilhamento do conhecimento é algo positivo e que deve ser estimulado, pois alimenta as redes de criação e inovação e ajuda a promover pesquisas de melhor qualidade;
iv) o acesso aberto à literatura acadêmica através da rede possibilita um intercâmbio muito mais rico de informações e conhecimento entre pessoas do mundo todo; ademais, fortalece a formação de redes e a integração das comunidades lingüísticas ou em torno dos diferentes campos científicos;
v) O acesso aberto à literatura científica pode contribuir à informação, criatividade, inovação e conhecimento indispensáveis para a formação de um público instruído, proporcionando também maiores oportunidades econômicas, culturais e sociais;
vi) a disponibilidade eletrônica diminui os custos de publicação, aumenta enormemente o acesso e permite otimizar o tempo gasto para o acesso, potencializando o trabalho de pesquisa; o acesso aberto à literatura científica por meios eletrônicos ou físicos proporciona um melhor aproveitamento dos investimentos públicos em pesquisa, resultando em significativos benefícios para a ciência, à economia e a sociedade.
vii) a superação das barreiras de acesso à literatura científica estimula a pesquisa, enriquece a educação e transforma a literatura em um bem útil e comum, contribuindo para a superação das desigualdades de acesso ao conhecimento por razões econômicas.
viii) o acesso aberto permite publicizar o que está sendo produzido na universidade, reforçando sua função de servir à sociedade ao promover o conhecimento científico e a difusão cultural.
ix) o acesso aberto à literatura científica garante um bom funcionamento do sistema de comunicação acadêmica assegurando que os resultados de pesquisa estejam disponíveis, a despeito das barreiras geográficas e financeiras, para o irrestrito exame e, quando pertinente, para a refutação.
x) o conhecimento e a documentação de pesquisa constituem bens comuns públicos que não devem ser regidos nem determinados pelas dinâmicas de mercado, senão que resguardados por políticas públicas de desenvolvimento, bem-estar e defesa do patrimônio cultural e científico da sociedade, de modo a buscar a garantia do acesso público por parte de todos os setores da população.
xi) as restrições indevidas ao acesso ao conhecimento podem diminuir a qualidade e a eficiência da pesquisa científica e da inovação. Nesse sentido os impactos financeiros são mínimos quando comparados com os benefícios públicos.
Para assegurar o acesso aberto à literatura e a documentação científica, recomendamos:
i) que em benefício público, as revistas acadêmicas disponibilizem, de forma gratuita, integral e sob nenhum tipo de restrição técnica, seus conteúdos através da Internet e permitam a reprodução reprográfica para fins não comerciais quando publicadas apenas em meios impressos;
ii) que as pesquisas realizadas em universidades públicas tenham seus resultados livremente disponibilizados;
iii) que as agências de fomento adotem políticas de incentivo para a disponibilização digital de obras produzidas por seus professores ou pesquisadores financiados com recursos públicos, assim como assegurem, na forma da lei, o direito à cópia dos resultados de pesquisa para fins científicos e educativos.
iv) que as agências de fomento adotem critérios de avaliação que privilegiem pesquisas cujos resultados estarão disponíveis sob os princípios do acesso aberto;
v) que as instituições promovam o acesso aberto a publicações científicas e o auto-arquivo dos trabalhos de seus docentes e pesquisadores;
vi) que sejam criados repositórios institucionais para permitir que os acadêmicos tenham onde disponibilizar seus trabalhos em suas próprias instituições; que as instituições, digitalizem e, se necessário, ensinem professores e pesquisadores a arquivar seus trabalhos para livre acesso do público;
vii) que as editoras universitárias disponibilizem meios e facilitem o acesso aberto através de meios eletrônicos a obras científicas para cientistas, pesquisadores e público em geral;
viii) que se fortaleçam as instituições públicas como bibliotecas, arquivos, museus, coleções culturais e outros pontos de acesso comunitário para promover a preservação de documentos e o acesso livre ao conhecimento;
ix) que as publicações digitais sejam adequadamente avaliadas, considerando a existência de comissão editorial, revisão por pares e demais critérios atualmente utilizados para as publicações cujo suporte é o papel;
x) que sejam estabelecidas políticas de incentivo para a criação de publicações digitais de acesso aberto; que sejam utilizados, para as publicações existentes, fundos de ajuda a periódicos para digitalizar edições anteriores, propiciando acesso aberto às mesmas;
xi) que o reconhecimento e a defesa dos direitos autorais, em especial dos direitos de atribuição e a integridade da obra, sejam feitos através de mecanismos legais que garantam o acesso livre e aberto e uma ampla difusão da mesma;
xii) que as fundações, agências de fomento à pesquisa e universidades apóiem grupos de cientistas e pesquisadores em áreas e disciplinas particulares que estão tentando promover o acesso aberto à literatura científica;
xiii) que seja facilitada a passagem ao domínio público de toda a literatura acadêmica e documentos de pesquisa após a expiração do copyright determinado pela lei;
xiv) que os pesquisadores publiquem em periódicos e revistas comprometidos com o acesso aberto; que essa seja a condição para serem editores ou pareceristas de um periódico.
xv) que, caso precise publicar num periódico com políticas restritivas de acesso, o autor peça para reter os direitos de cópia de seu trabalho; se isso não for possível, que garanta pelo menos o direito de arquivar seu trabalho em um repositório digital.
xvi) que as editoras busquem novas alternativas e modelos de publicação para a promoção de seus negócios de modo a não afetar o acesso à literatura acadêmica.
Em benefício da comunidade científica, do desenvolvimento social e do interesse público, fazemos um apelo a todas as instituições, associações profissionais, governos, bibliotecas, editores, fundações, entidades acadêmicas, cientistas, gestores educativos, pesquisadores e cidadãos para que observem esses princípios e que ajudem a ampliar o acesso à literatura acadêmica, auxiliando na eliminação das barreiras econômicas, comerciais e culturais existentes.
São Paulo, 02 de dezembro de 2005.
Assinam o documento:
Prof. Dr. Jorge Alberto S. Machado – Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP e Movimento Acesso Aberto Brasil
Prof. Dr. Pablo Ortellado – Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP e Movimento Acesso Aberto Brasil
Profa. Dra. Gisele Craveiro -Sistemas de Informação – EACH/USP e Movimento Acesso Aberto Brasil
Profa. Dra. Vivian Urquidi – Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP e Movimento Acesso Aberto Brasil
Prof. Dr. Carlos Brito – Marketing – EACH/USP
Prof. Dr. Carlo Romani – CEBRAP
Profa. Dra. – Christiana Freitas -NESUB / UnB
Prof. Dr. Esteban Fernandez Tuesta – Sistemas de Informação – EACH/USP
Prof. Dr. Giovanni Alves – Sociologia – UNESP/Marília
Profa. Dra. Gislene dos Santos – Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP
Prof. Dr. Jorge Beloqui – IME/USP
Prof. Dr. José Álvaro Moisés – Dep. de Ciência Política – FFLCH/USP
Prof. Dr. José Renato de Campos Araújo – Gestão de Políticas Públicas – EACH/USP
Profa. Dra. Heloisa Pontes- Departamento de Antropologia – UNICAMP
Profa. Dra. Ingrid Sarti – UFRJ/SBPC
Prof. Dr. Luiz Menna-Barreto – Gerontologia – EACH/USP
Profa. Dra. Maíra Baumgarten – Ciências Sociais /UFRGS/FURGS
Profa. Dra. Maria Elena Infante-Malachias – Ciências da Natureza – EACH/USP
Profa. Dra. Maria Lucia Maciel – PPGCP/IFCS/UFRJ
Profa. Dra. Maria Luiza Heilborn – Instituto de Medicina Social da UERJ
Profa. Dra. Mariana Ciavatta Pantoja – UFAC
Prof. Dr. Marcos Cesar Alvarez – Dep. de Sociologia – FFLCH /USP
Profa. Dra. Martha Celia Ramírez – Cebrap e PAGU/Unicamp
Prof. Dr. Michelangelo Trigueiro – Dep. Sociologia /UNB
Profa. Dra. Monica Yassuda – Gerontologia – EACH/USP
Profa. Dra. Pollyana Notargiacomo Mustaro – Universidad Mackenzie
Prof. Dr. Richard Miskolci – Dep. de Ciências Sociais – UFSCar
Prof. Dr. Sérgio Amadeu
Prof. Dr. Simon Schwartzman – Diretor-Presidente, Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
Prof. Dr. Thomas Haddad – Ciências da Natureza – EACH/USP
Prof. Thiago Tavares Nunes de Oliveira – Dep. de Direito Público – UCSal / Proj. Software Livre Bahia / Proj. Ciência Livre
Sociedade civil e pesquisadores:
João Cassino – Rede de Usuários de Tecnologias Abertas (OTUN)
Ricardo Dantas, mestrando em antropologia na UFF
Rogério Campos – Editor (Editora Conrad)
Para adesões, escrever para info@acessoaberto.org
[Extraido de http://www.acessoaberto.org/carta_de_sao_paulo_acesso_aberto.htm e disponibilizado aqui com uma licença Creative Commons by-nc-nd]